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Fachada despojada do Noma: o melhor restaurante do mundo pela revista inglesa Restaurant (Foto: divulgação) |
Quantos cozinheiros ao redor do planeta não sonham em estagiar no
dinamarquês Noma, eleito o restaurante número 1 do mundo pela revista
inglesa Restaurant ? E ter a possibilidade de, ainda que por um
curto período, aprender com o chef René Redzepi, em Copenhague, as
técnicas culinárias que colocaram a Dinamarca no mapa-múndi da
gastronomia?
Pois bem, aqui mesmo em São Paulo, a chef Renata Vanzetto, dona do moderninho Marakuthai,
conseguiu esse feito. Ela passou de 28 de junho a 15 de julho
estagiando no Noma. Mais do que isso, levou junto a prima, Aline
Camargo, responsável pelo bufê Marakuthai, em Ilhabela, para enfrentar o
batente com ela. O restaurante consagrado recebe 25 estagiários de
todas as partes do mundo. Dos colegas de Renata, 22 eram homens.
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Aline Camargo, René Redzepi e Renata Vanzetto: o mestre e suas primeiras estagiárias brasileiras (Foto: divulgação) |
O desejo aparentemente impossível de ser a primeira brasileira a
estagiar no restaurante nórdico aconteceu mais fácil do que ela
imaginou. Como? Renata resolveu desafiar a sorte em janeiro ao enviar um
e-mail contando sua história e se candidatando a uma vaga. De imediato,
recebeu uma resposta-padrão nada animadora: a fila era de dois anos e
seu e-mail seria lido em até seis meses.
Um novo e-mail chegou no dia seguinte e, para surpresa dela, com boas
novas. Tinham gostado do que havia descrito e queriam recebê-la o
quanto antes. Foi assim que no final de junho a jovem de 22 anos
embarcou para passar dezoito dias por lá. Bem, você quer saber qual é o
e-mail? Ela jura que escreveu para noma@noma.dk.
Renata conta que as jornadas de trabalho eram longas, com cerca de
dezesseis horas. “Ao fim do dia, me sentia exausta”, revela. Também
fazia tarefas que quem tem título de chef não gosta de enfrentar.
Encarregou-se “de limpar a cozinha e servir as mesas”. Também limpou
navajas ou razor clams, deliciosos frutos do mar. “Era aflitivo, elas
ficavam se contorcendo em nossas mãos.” Renata se lembra com mais
saudade de colher ervas na praia e camomila selvagem num pasto.
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Renata e um colega no campo: colheita de ervas usadas nos pratos (Foto: acervo pessoal) |
Em suas palavras, essa foi uma “experiência surreal”, que ela decidiu compartilhar comigo e com você:
A chegada
Meu primeiro dia no Noma foi em 28 de junho. Esperava um ambiente
formal, com pessoas mais velhas e com uma postura muito séria. Fui,
porém, recebida por um rapaz jovem, com o corpo totalmente tatuado.
Cheguei a achar graça da situação.
Os colegas
Os estagiários eram das mais diversas nacionalidades, pessoas de todo
o mundo. No período em que estive estagiando, a equipe era composta por
gente do México, Austrália, França, Itália, Estados Unidos, Irlanda,
Japão e Espanha.
Tarefas de uma estagiária
Na parte superior do restaurante, localiza-se uma cozinha fria, na
qual fica a maioria dos estagiários. Ali, são recebidos diariamente
muitos brotos, flores e ervas. Estes itens são colhidos, muitas vezes,
pelos próprios funcionários na área ao redor de Copenhague. Cabe aos
estagiários limpá-los, uma tarefa que demanda cerca de seis horas.
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Renata Vanzetto e outros estagiários em duras tarefas: seis horas limpando alimentos (Foto: acervo pessoal) |
Eu, por duas vezes, fui acompanhar e fazer a colheita de camomila selvagem. Encontrada em um campo de morangos, a camomila tem origem em um local incrivelmente lindo. Colher os ingredientes, que serão utilizados no preparo de pratos daquele mesmo dia, é incrível.
A importância concedida a cada item usado no restaurante é
impressionante. Tudo é muito fresco. Justamente por isso, são
pouquíssimos os ingredientes utilizados no Noma que também são
encontrados no Brasil.
Passei por diversas tarefas, sempre como estagiária, desde limpar a
cozinha, ritual que acontece cinco vezes ao dia, até servir as mesas.
Fiz também produção e montagem de snacks na confeitaria. Eram servidos
dez tipos diferentes antes do menu degustação.
Exclusividade e equipe
O Noma é um restaurante exclusivo. São apenas 35 lugares para os
clientes. Mas a equipe que cuida de todos os preparativos é enorme,
composta por 25 estagiários e mais de quinze cozinheiros. Dividido em
várias áreas, cozinha quente, cozinha fria, confeitaria 1, confeitaria 2
e salão, o Noma dá início as suas atividades às 6h da manhã. Bem cedo,
quatro funcionários começam a preparação dos molhos e pães.
O cliente é rei
A cobrança pelo serviço era rígida, estressante. Eram muitas
responsabilidades e a pressão, enorme. Aconteciam três reuniões por dia
com a equipe, uma antes do almoço, outra antes do jantar e a última,
após o expediente. Nelas, recebíamos informações sobre os clientes, quem
eles eram, o que comiam, o que não comiam, se eram novos na casa, tudo o
que era possível para tratá-los como verdadeiros reis, o que é habitual
no Noma.
Receitas em debate e a bicicleta
Uma curiosidade dos sábados à noite é a realização de um Project.
Depois do serviço, quem quiser apresenta um prato, toda a equipe prova e
debate sobre os ingredientes, consistência, sabores. É um exercício
muito legal, um aprendizado sem comparações. Depois desse “ritual”, o
René dá uma cerveja para cada um e vai embora de bicicleta. Esta
situação, sim, é muito engraçada!
O número 7 do mundo
Ao descobrir que éramos brasileiras, eu e minha prima Aline, René
mostrou-se surpreso. Não acreditou ser possível que nós duas o
conhecêssemos. Parecia não ter ideia da fama que tem. Gostou muito de
saber de nossa nacionalidade e aproveitou para dizer que admira Alex
Atala – chef do restaurante D.O.M (eleito neste ano o sétimo do ranking da revista Restaurant).
Reconhecida por uma cliente
Em uma oportunidade fui servir uma mesa de brasileiros e uma das
senhoras me reconheceu, falou sobre o meu restaurante, o Marakuthai. Foi
ótimo, pois o René se interessou, acessou o Google e pesquisou sobre a
minha história.
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por Arnaldo Lorençat
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